Trabalhar e fazer comunicação nos dias de hoje virou um desafio. A liberdade de expressão e a criatividade terão que ceder às pressões da opinião pública e as “caça às bruxas” on e offline? Como lidar com o “politicamente correto” nas comunicações? E falo de comunicação em seus diversos formatos, incluindo propaganda, Imprensa, mensagens políticas, publicações digitais em redes sociais e, surpreendentemente, até comunicados internos das corporações.
Mais questões: quais e quantos valores individuais devem ser ponderados para que a comunicação com o mercado seja eficaz e eficiente? A evolução social e a liberdade de expressão transformaram a atividade da comunicação num quebra-cabeças difícil de ser montado.
A comunicação em meios digitais, muito ajudada por melhor conectividade e equipamentos como smartphones, continua a promover a ampliação de participantes na estrutura de comunicação. Grupos de pessoas afins defendem suas visões e tentam delimitar seu espaço e ideias tão apaixonadamente a ponto de dedicar horas a fio em debates intermináveis em redes sociais.
Vivemos uma fase na sociedade onde todos com acesso a uma rede digital têm o direito e o potencial de se tornar, digamos, indutores de opinião, podendo ainda chegar a ser um viral com sua opinião sobre os mais diversos temas. E, não raras vezes, publicações sem qualquer fundamento ou checagem ganham escala planetária (já dizia Umberto Eco).
O politicamente correto ganhou tantas variáveis que fica difícil ser 100% assertivo nas abordagens, controlando o alto risco de motivar multidões de contentes e descontentes com a mesma e simples mensagem. Cada palavra e seu uso em expressões e contextos na produção da comunicação tem que ser pensada e repensada para avaliar se fere algum dos infinitos pontos de vista individuais, principalmente quando escrevemos sobre temas de gênero, raça, minorias e credos.
Se pegarmos, como referência, as demandas de consumidores junto ao Conar, órgão regulamentador da atividade publicitária, onde chegam múltiplas demandas de consumidores, e confrontar algumas de suas decisões comparando com o que se publica nas redes sociais, veremos que há um descompasso.
No site da entidade está tudo bem apresentado e explicado: muitas reclamações por questões de gênero, abordagem sexual, falsidade nas informações, entre outras. Ainda que muitas decisões do Conar sejam favoráveis às propagandas das empresas, entendendo a motivação e prática quanto a conceitos criativos, as críticas e ataques raivosos atormentam as redes sociais. As empresas podem até se resolverem dentro do Conar mas isso não quer dizer que estarão imunes e refratárias a pesados julgamentos pelas redes digitais, expondo suas identidades e marcas a riscos de imagem e de reputação. O mundo cai sobre as cabeças bem intencionadas.
O caso da propaganda da Bombril “Todo brasileiro é uma diva” é um forte exemplo desse momento. Usa o mesmo tom de brincadeira que historicamente faz parte da cultura da agência de propaganda e da empresa, e ainda assim gerou muita reclamação no Conar por discriminação masculina. A representação foi arquivada por ser considerada inofensiva à dignidade humana, mesmo que apresente estereótipos de gênero. Resolvido na entidade do setor, mas não no mercado: infindáveis comentários pró e contra a propaganda ficaram registrados pelas redes sociais.
O mesmo se aplica a tantas outras como a propaganda “Dia dos Namorados”, feita pela O Boticário, que faz alusão, sutilmente, sobre relacionamento homossexual e que teve ampla discussão pela abordagem aberta do tema. Liderou a quantidade de queixas em 2015, com mais de 500 reclamações contra e tantas outras favoráveis em número similar. Igualmente teve sua representação arquivada no Conar por ser considerada adequada. Mas há milhares de defensores e opositores à propaganda pelo Facebook, Youtube, entre outras redes, numa batalha infinita de discussões e visões pessoais.
Sempre haverá também o viés de promoção das empresas por conta de usarem o fator “falem mal, mas falem de mim”. Basta adotar uma abordagem que confronte qualquer valor social, econômico e político e o sucesso gerado nas discussões nas redes sociais e Imprensa garantirá que a marca fique registrada com destaque em todos os buscadores web.
No ambiente empresarial, até os comunicados internos têm que ser mais ponderados em suas abordagens quanto, principalmente, a gênero. As empresas passaram a conviver com os dilemas de se comunicar corretamente e tratar igualitariamente pessoas com diversas opções sexuais. E é notável o aumento de mensagens de e-mail trocadas com extensos parágrafos ao final com as limitações de responsabilidade sobre o próprio conteúdo veiculado. Muito temor por todos os lados quanto ao que é certo e errado na comunicação interna quanto externa.
E a criatividade, como fica neste contexto e no longo prazo? Corremos o risco de ter que conviver com propagandas e peças de comunicação empresarial amorfas e apáticas para atender a todos os públicos, evitando penalizações judiciais e de opinião de consumidores que poderão consumir recursos de tempo e financeiros das corporações. Sem contar com o prejuízo e esforço com a recuperação da imagem e da reputação.
O desafio está em conciliar ser criativo, atender as necessidades de comunicação das empresas com o mercado respeitando todas as legislações (e não são poucas), evitar ao máximo ofender alguma minoria, direta e indiretamente, e acima de tudo, conseguir algum ganho de valor tangível ou intangível. Tudo sem ter que ficar explicando e justificando ad eternum cada palavra e expressão quando a comunicação com o mercado for veiculada.
O consenso quanto à abordagem e ao conteúdo, de fato, dificilmente existirá um dia. São muitas as formas de pensar e critérios qualitativos e conceituais individuais do público. Cada cabeça, uma sentença; a unanimidade sempre será uma utopia. Ou burra, como eternizou um dia o escritor Nélson Rodrigues.
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Fábio Cardo
Março/2016
Este texto foi originalmente publicado no Jornal da Comunicação Corporativa – http://www.megabrasil.com.br/NovoJCC/MateriaCompleta.aspx?idMateria=26411