Valor Econômico – 14/03/2011 – Pág. B3 – Por Daniela Braun – Consumidor ganha ‘acesso de bolso’ com smartphone Pacote de dados do aparelho pode ser usado em computador

O uso do celular como modem pode se tornar um recurso útil para quem precisa acessar a internet e não tem um ponto de acesso por perto. Com a crescente oferta de smartphones que permitem o uso desse recurso — também conhecido como “tethering” — via redes Wi-Fi, o telefone pode assumir, mais facilmente, a função de ponto de acesso (“hotspot”) de bolso. Para o usuário, que carrega cada vez mais equipamentos portáteis, o compartilhamento eventual das redes móveis também pode representar uma economia com pacotes de dados.

O recurso, disponível desde o ano passado em smartphones com a versão 2.2 do sistema operacional Android, do Google, foi liberado recentemente pela Apple, na atualização do sistema iOS 4.3 para os aparelhos iPhone 4 e 3GS. Com isso, o usuário pode compartilhar seu plano de dados, via Wi-Fi, com até cinco dispositivos, como tablets e notebooks.

“A evolução dos aparelhos vai transformar o uso do celular como um novo ponto de conexão pessoal”, afirma o gerente de produtos móveis da Motorola, Renato Arradi. Segundo ele, a aplicação do celular como modem é permitida por operadoras e fabricantes mundiais há mais de oito anos, desde o lançamento dos aparelhos de segunda geração de telefonia móvel. Entretanto, o serviço foi pouco difundido por exigir configurações especiais, cabos de conexão de dados, que nem sempre acompanhavam os aparelhos, e boa vontade do usuário. A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) informou que não há regulamentação específica sobre o serviço no Brasil.

Embora o uso do celular como modem apareça como uma solução para acessar a internet, principalmente para quem está em trânsito, a qualidade de conexão pode frustrar o consumidor, na opinião do gerente sênior de produtos da Nokia, Marcelo Gonçalves. “O modem 3G oferece uma performance melhor porque tem uma configuração dedicada ao acesso a dados, enquanto o smartphone compartilha o acesso a dados, voz e outros recursos”, compara o executivo. Segundo ele, a fabricante finlandesa ainda não tem planos de oferecer o compartilhamento de internet Wi-Fi em seus smartphones, mas suporta a prática e oferece tutoriais on-line para o uso de aplicativos que liberam esse tipo de serviço.

Na avaliação do gerente de marketing para terminais da fabricante Huawei, Marcelo Najnudel, o “tethering” perde para os modems 3G na questão da facilidade de uso. “O modelo ‘plug and play’ [basta ligar e usar] foi uma grande sacada no modem 3G e mudou esse cenário em 2007”, afirma o executivo. De olho na tendência de compartilhamento de dados móveis, a companhia chinesa lançou recentemente, em parceria com a Vivo, um roteador 3G de bolso, que aceita um único chip de dados para distribuir a conexão entre diversos equipamentos.

A evolução de smartphones como pontos de acesso portáteis também implica em maior consumo dos planos de acesso à rede 3G, que já não são mais ilimitados no país. A prática do “tethering” só não está presente no iPhone comercializado pela Oi. A operadora informa que negocia com a Apple a liberação do recurso. De uma forma geral, se o consumidor ultrapassar a franquia mensal contratada junto à sua operadora, poderá ter sua velocidade de conexão reduzida ou será cobrado pelo valor excedente.
Com planos limitados de banda larga móvel e uma base restrita aos usuários de aparelhos 3G, o esse serviço de conexão ainda não afeta a rede das operadoras. A função é explorada parcialmente por 20,1 milhões de donos de aparelhos 3G no país, o equivalente a 10,2% da base superior a 205 milhões de celulares ativos em janeiro, segundo dados da consultoria Teleco e da Anatel.

A facilidade de uso do aparelho para conexão à internet, no entanto, pode gerar uma nova demanda para as teles. “O consumidor mais ‘antenado’ vai querer um ‘ upgrade’ [atualização] de sua conexão móvel e exigir a oferta de pacotes mais diversificados”, avalia Jorge Leonel, vicepresidente da Acision, empresa de gestão de dados móveis. Ele cita como exemplos a operadora americana Verizon, que liberou o “tethering” por meio de tecnologia Wi-Fi para o iPhone 4, da Apple, em um plano de dados de US$ 20 ao mês, e logo foi acompanhada pela AT&T, que anunciou em fevereiro um subsídio de dados extra para o serviço pelo iPhone, nos Estados Unidos.

A massificação do uso do celular como modem é uma oportunidade para “colocar as ofertas na prateleira”, diz a diretora de serviços de valor agregado e roaming da Claro, Fiamma Zarife: “Podemos caminhar para a multiplicação de modelos, acompanhando o comportamento de uso, como planos para acesso a vídeos, ou somente para e-mails, por exemplo.”

A Vivo tem negociado com os fabricantes de aparelhos para que facilitem o uso desse recurso, segundo o gerente de terminais da operadora, Atila Xavier. “A ideia é permitir que o consumidor use o plano de dados sempre que puder e desejar”, explica. “Mas é preciso que o consumidor tenha ciência sobre o plano que deve adquirir.”

Na verdade, as operadoras brasileiras ainda estão atrasadas na formulação de ofertas especiais para planos de dados móveis, reconhece Julio Puschel, analista sênior e líder do grupo de estratégia para operadoras, na consultoria Informa. Para ele, o avanço da banda larga móvel em diferentes dispositivos vai além dos planos de dados. “A tendência, que chamamos de ‘terceira tela’, é oferecer o mesmo conteúdo em plataformas diferentes, no smartphone, na televisão e no tablet, por um plano único de acesso”, diz Puschel. Nesse sentido, opina que o modelo de negócios das empresas brasileiras deve evoluir da simples conectividade para a oferta de serviços e conteúdo. “O que vai ditar esse modelo é a demanda do usuário”, afirma.

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